terça-feira, 21 de abril de 2009

Um Militar e o “Ahimsa”


No livro Convite à Não-Violência, o Prof. Hermógenes inicia falando do papel do jornalista, que pode assumir uma postura “normótica” atendendo às demandas do mundo, ou uma ação de não-violência, ao tratar o mesmo assunto na perspectiva da transformação que a sociedade precisa. Para isto, ele inicia o livro mostrando uma mesma reportagem de assassinato, sendo apresentada de duas formas distintas, uma conservadora, vendedora e violenta, a outra, transformadora, explicativa e não-violenta. Este dilema, e reflexão, apresentado no texto acima, da ação livre de violência, que aqui é retratada sob a perspectiva que se possui da função dos militares, dilema este profundamente vivido e resolvido na figura do Prof. Hermógenes, parece de uma atualidade assustadora, ao assistimos o caminhar de militares chineses antes reprimindo as manifestações do povo de origem cultural tibetana, e agora, a trabalhar no auxílio de milhares de atingidos vítimas dos terríveis abalos sísmicos que atingiram o centro da China.

Sendo eu um militar (coronel reformado do Exército), professor e escritor sobre assuntos espirituais, o YOGACEM, da Índia, me convidou para fazer uma conferência no Ahimsa Seminar (20 a 23 de Outubro de 1983), a se reunir em Nova Delhi. Foi-me um desafio.

Geralmente se acredita numa incompatibilidade ente militar e a não-violência, com se fosse assim: “militar sem violência não é militar”; “militar tem que travar batalha e matar, portanto...”

Acreditando que também os militares, embora profissionais da guerra, possam aceitar o “convite à não-violência”, na conferência que escrevi, tento desfazer a aparente incompatibilidade. É o que você vai ler agora.

Pacifistas extremados, supondo uma irredutível incompatibilidade entre a função militar e a não-violência, defendem que seria necessário acabar com as forças armadas para que se pudesse alcançar o ideal de ahimsa.

Não vemos tal incompatibilidade nem a possibilidade de as nações virem, peo menos nos dias atuais, a dispensar o papel social desempenhado pelas forças armadas. Assim como um organismo não poe dispensar seus leucócitos e sem eles sobreviveriam à agressão predatória de outras nações ou Estados ambiciosos, expansionistas, imperialistas, tão logo extinguissem seus exércitos. Com a função defensiva – a imunização – poderia vir a ser dispensada sem riscos para a sociedade? Os militares, infelizmente, ainda são indispensáveis. As forças armadas são o sistema imunológico de um povo.

Dois princípios, entre outros, estruturam e presidem um sitema social: o da divisão do trabalho e o da adequação funcional. Uma sociedade não pode deixar de ter inteletuais, artistas, filósofos, mentores, educadores, comunicadores, bem como a produzir e manipular a riqueza, com também os humildes executantes de serviços básicos, mais singelos, isto é, os serviçais, os operários. A eficiência social depende de que cada indivíduo desempenhe aquela função para a qual é mais adequado. Os militares são indispensáveis pelo que executam, dentro da divisão do trabalho, e há indivíduos para os quais ser militar é a mais adequada função...

...Respondendo à pergunta de um guerreiro, o compassivo Buda disse: “...O Tathagata não ensinou que aqueles que vão à guerra em justa causa, após esgotar todos o meios de preservar a paz, sejam julgados culpados.”

A ordem interna tem de ser defendida contra a ação criminosa. É dever dos Kshatriyas (guerreiros) reprimir e punir o contraventor com rigor e energia, embora sem violência...

...Krishna, Buda, Rama, Mahavira, todos foram Kshatriyas, e embora infinitamente dotados de virya (força), só exemplificam o Amor, a Mansidão, a Brandura, a Mansuetude...

...O “convite à não-violência” sugere que se renuncie à covardia da agressão (himsa) e não ao amor e à coragem que rechaçam a injustiça e a opressão.

O “convite” não é para desguarnecer as fronteiras e largar a sociedade aos contraventores, mas, ao contrário, é um “convite” a que os militares, com ahimsa e virya, cumprindo seus nobre e santos deveres, defendam a justiça, a harmonia, a segurança, o bem comum e se tornem vira (heróis).


Prof. Hermógenes, Convite à Não-Violência, p.162

Nenhum comentário:

Postar um comentário